A velhice é uma fase da vida que frequentemente carrega consigo estereótipos e preconceitos sociais. No entanto, a antropóloga Mirian Goldenberg, em sua nova coluna, nos convida a repensar o envelhecimento e desmistificar a ideia de que a velhice é uma mera decadência. Inspirada por Simone de Beauvoir e seu livro “A Velhice”, Goldenberg explora a possibilidade de uma “bela velhice” e como é possível criar uma terceira idade saudável e prazerosa.
A Invenção de uma Bela Velhice
O ponto de partida para essa reflexão é o livro “A Velhice” de Simone de Beauvoir. Quando Mirian Goldenberg leu esse livro pela primeira vez, em seus 20 anos, ele a fez temer se tornar um “cadáver ambulante” na terceira idade. No entanto, após reler a obra diversas vezes, ela descobriu uma categoria marginal e intrigante proposta por Simone de Beauvoir: “a bela velhice”.
O choque inicial da leitura foi substituído pela ideia de que seria possível romper com os estereótipos e preconceitos que cercam a velhice, criando uma velhice que fosse não apenas digna, mas também bela. A “bela velhice” se tornou o foco das pesquisas de Mirian Goldenberg e, mais do que isso, uma filosofia de vida.
Ter um Projeto de Vida na Terceira Idade
Simone de Beauvoir, nas entrelinhas de seu extenso livro, sugere um caminho para a construção de uma “bela velhice”: ter um projeto de vida. Para ela, homens e mulheres que mantêm projetos de vida ativos, criativos e autônomos têm a capacidade de viver uma velhice mais prazerosa. Esses “criadores”, que podem ser intelectuais, artistas e escritores, são aqueles que buscam significado para suas existências e se recusam a aceitar uma morte simbólica ou social. Eles desafiam os estereótipos sobre a velhice e criam novas representações positivas sobre essa fase da vida.
O importante a se destacar é que a “bela velhice” não é um caminho exclusivo para celebridades ou pessoas excepcionais. Ela é o resultado de um projeto de vida que pode ser construído por qualquer indivíduo, independentemente de sua idade. A singularidade de cada pessoa é o que torna a velhice bela, pois está nas pequenas e grandes escolhas feitas diariamente para concretizar seu próprio projeto de vida.
Enfrentando os Preconceitos
Simone de Beauvoir argumenta que, na maioria das vezes, as pessoas mais velhas se sentem velhas apenas por causa do olhar dos outros, sem experimentar grandes transformações internas ou externas. No entanto, ela nos lembra de que “velho não é o outro”. A velhice está presente em cada um de nós, e apenas quando aceitamos plenamente essa condição em todas as fases da vida, podemos contribuir para derrubar os medos, as vergonhas, os estereótipos e os preconceitos que cercam a velhice.
Tanto os jovens quanto os mais velhos devem reconhecer a velhice como parte de sua própria jornada. A ideia é que “velho não é o outro, velho sou eu”.
A Revolução da Bela Velhice
Simone de Beauvoir instiga seus leitores a ouvirem a voz das pessoas mais velhas e a combaterem o silêncio que envolve a velhice. Ela enfatiza que o sentido de nossa vida está em jogo no futuro que nos espera e que é necessário reconhecer a velhice como algo que nos diz respeito.
As mulheres, em particular, são convidadas por Simone de Beauvoir a recusar os limites impostos e a buscar sua própria libertação na terceira idade. A velhice seria uma oportunidade de as mulheres se concentrarem em si mesmas, rompendo com papéis tradicionais e inventando uma “bela velhice”. É uma fase de autodescoberta e realização pessoal.
As mulheres com mais de 50, 60, 70, 80 e 90 anos estão desafiando rótulos e estereótipos. Elas se recusam a serem invisíveis e afirmam que estão vivendo o momento mais feliz de suas vidas. São as verdadeiras protagonistas de uma revolução: a revolução da bela velhice.
Essa revolução está transformando os discursos, comportamentos e valores associados à velhice, da mesma forma que as jovens fizeram uma revolução amorosa e sexual no século passado.
A frase que ecoa entre essas mulheres é poderosa: “Nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz, é a primeira vez que eu posso ser eu mesma. É o momento mais feliz de toda a minha vida. É uma verdadeira revolução.”
A bela velhice é um convite para todos nós, independentemente da idade, a celebrar a diversidade e a singularidade de cada jornada de vida. É um lembrete de que a velhice não é o fim, mas uma continuação da nossa trajetória pessoal, repleta de oportunidades para a autenticidade, a criatividade e a alegria. É a revolução que desafia os mitos sobre a velhice e nos inspira a abraçar a jornada do envelhecimento com gratidão e entusiasmo.