É sempre a mesma coisa. À medida que o final do ano se aproxima, as caixas de e-mail ficam cheias de incentivos para compras de todos os tipos. Entrega gratuita aqui, tudo com 50% de desconto ali, sem esquecer os benefícios para os “membros do clube de fidelidade” ou as “promoções exclusivas” reservadas aos assinantes da newsletter: é simples, as marcas às quais tivemos o infortúnio de fornecer nossos dados virtuais nos bombardeiam com ofertas promocionais cada vez mais tentadoras.
Em novembro, isso é o que chamamos de Black Friday, um dia de descontos pós-Ação de Graças importado dos Estados Unidos, destinado a dar início às compras de Natal com ofertas imperdíveis.
“Como podemos consumir de maneira mais responsável neste contexto?” pergunta Fanny Enjolras, que concedeu entrevista ao Muralfashion.com. Fundadora da conta no Instagram The Greenimalist, essa jurista de profissão também é coautora do livro “Moda Responsável”, um guia de ação dedicado à moda sustentável, publicado na França, pela editora Eyrolles, em 2022.
Na moda, a dificuldade de ser exemplar
Embora a indústria da moda nunca tenha falado tanto sobre consumo responsável, nunca foi tão difícil se orientar, mesmo que tenhamos a ambição de ser o mais exemplar possível.
Mudar da fast fashion para marcas éticas, por exemplo, não impede que questionemos nossa contribuição para a produção de novas roupas, que estão longe de serem necessárias, dado que o planeta já tem um número mais do que suficiente de roupas para vestir a população mundial.
E se as lojas de second hand e outros brechós estão em alta devido ao impulso de consumo em favor da segunda mão, elas também enfrentam uma inflação que às vezes as coloca fora do alcance dos orçamentos mais modestos.
As plataformas de revenda de roupas em segunda mão, que se baseiam na economia circular, não impedem as discussões sobre o consumismo excessivo e a poluição.
No final das contas, a troca parece ser a opção mais ética para adquirir novas roupas, desde que se tenha tempo para se dedicar a isso, para encontrar plataformas que permitam essas trocas ou ter um círculo social disposto a participar e que compartilhe não apenas os gostos por roupas, mas também tamanhos semelhantes.
Mais consciência, menos culpa
“Enfrentamos a culpa em nosso esforço para fazer o certo, a uma pressão para ser exemplar”, confirma Fanny Enjolras.
“Essa pressão é ainda mais presente quando temos o poder de compra para fazer escolhas conscientes, deixando de lado aqueles que não têm essa liberdade econômica de escolha”, continua ela, explicando que o problema não é tanto o consumidor, mas o sistema bem estruturado que nos incentiva constantemente ao consumo.
Segundo Fanny, o sistema atual da moda se baseia em injunções ambíguas que incentivam a sobriedade, ao mesmo tempo em que nos incitam ao consumo por meio de anúncios e ofertas.
“É extremamente difícil resistir a essa pressão constante em um mundo projetado para estimular o consumo impulsivo”, confirma a especialista, que defende uma conscientização progressiva e adaptada ao espaço mental de cada um.
O exemplo não é novo, mas é importante lembrar que nem todos têm acesso aos mesmos tipos de marcas e roupas, dependendo de classe social, tamanho do manequim ou de onde mora.
Por isso, a saída é levar em conta o que é possível fazer, diz a coautora. “É crucial não ser muito duro consigo mesmo, porque essa é a melhor maneira de fracassar. O importante é ser consciente de suas escolhas e buscar um equilíbrio entre prazer e responsabilidade.”
Fato é que ainda resta descobrir a maneira de alcançar esse famoso estado de consciência que os entusiastas do consumo alternativo parecem apreciar. Aqui, alguns direcionamentos:
Diminuir o acesso aos anúncios de moda
Segundo a especialista, consumir de maneira diferente pode ser possível se entendermos e aceitarmos que as diversas tentativas de nos fazer comprar das quais somos alvo buscam nos manipular. Ou seja: nos incentivam a adquirir peças das quais, na maioria das vezes, não precisamos.
“Depois de entendermos que somos literalmente os bobos da corte, conseguiremos nos afastar, pensar de maneira diferente e nos perguntar se realmente precisamos dessa roupa ou desse par de sapatos que desejamos”, resume ela, lembrando que os anúncios muitas vezes exploram nossas inseguranças físicas, sociais ou estéticas para nos incentivar ao consumo.
Não é comprando determinado cropped que vamos parecer com a modelo Bella Hadid“, ironiza Fanny, que também recomenda reduzir o tempo gasto nas redes sociais, que se revelam verdadeiros ninhos de tentações.
Como muitas associações, como a Fashion Revolution, recomendam, também é aconselhável cancelar a assinatura de newsletters que o mantêm informado sobre liquidações e outras ofertas irresistíveis.
“Redes sociais e newsletters aumentam as tentações de consumo. Limitar seu uso pode ajudar a reduzir essas incitações”, confirma a especialista.
E se fizéssemos nossas próprias roupas?
Graças à associação Réseau Ethique, que oferece soluções para acompanhar uma transição suave e sem julgamentos em direção a um guarda-roupa mais ético, Fanny pode aprender os fundamentos da confecção têxtil, a ponto de hoje conseguir fabricar e consertar suas roupas, ou simplesmente apreciar o trabalho de quem as concebeu, mesmo que seja anônimo.
Percebemos muito concretamente todo tempo, energia e expertise que estão por trás de uma peça, mesmo que tenha sido feita por uma trabalhadora mal remunerada da fast fashion. E que não, isso não deve ser considerado como um bem descartável”, detalha a jurista.
E para aqueles que não teriam paciência ou tempo para se dedicar às alegrias da fabricação manual, ainda é possível recorrer a profissionais para prolongar a vida útil de suas roupas favoritas.
Um casaco de inverno que perdeu o brilho? Vamos correndo para uma lavanderia ecológica para dar a ele uma segunda vida. Tênis que passaram por mil aventuras? Encontramos um reparador de tênis que os deixará como novos.
Se você ganhou ou perdeu peso? Saiba que os alfaiates locais podem fazer verdadeiros milagres para adaptar suas roupas à sua morfologia.
A lição que fica é a de que não sabemos se seremos exemplares um dia, mas tomar consciência dos problemas e questionar as alternativas disponíveis já são muito importantes.